Carta Aberta
23 de Abril de 2008
Carta Aberta
Exigem-se respostas... Não deixaremos de lutar...
Excelentíssima Senhora Ministra da Saúde,
Acusamos a carta proveniente do Gabinete de V. Ex.ª que nos deixa com redobrada preocupação. Se por um lado continuam a suceder-se casos graves com o sistema implementado para a assistência na urgência e na emergência, por outro lado preocupa-nos alguma ligeireza com que aparentemente foram recebidas as nossas preocupações, para além de não vermos ainda agendada a audiência que solicitamos desde o primeiro dia que V. Ex.ª exerce funções, e na qual pretendemos essencialmente demonstrar aquilo que para nós são os factores pertinentes do Estudo Técnico por nós elaborado, cuja cópia tomamos a liberdade de novamente enviar para esse Ministério.
O desenrolar dos acontecimentos vem, infelizmente, dar razão ao Executivo Municipal do Peso da Régua que, desde o primeiro momento, se manifestou determinantemente contra as alterações introduzidas pelo Ministério da Saúde, no que se refere à rede de Serviço de Urgência, contrariamente aquilo que o Senhor ex-Ministro da Saúde, Dr. Correia de Campos e o médico, deputado socialista eleito pelo círculo de Vila Real, Dr. Jorge Almeida, defendiam como resposta cabal às necessidades de saúde da população servida pela Urgência do Hospital D. Luiz I. Perante situações tão preocupantes, não podem deixar de ser imputadas a tais senhores responsabilidade política e moral pela forma como os utentes do Hospital D. Luiz I são acompanhados e pela inoperância do Serviço Nacional de Saúde.
Não podemos continuar a esperar enquanto continuam a suceder-se casos que culminaram já com a morte de utentes que, eventualmente, poderiam ser evitadas. Peso da Régua e os utentes do Hospital D. Luiz I não podem continuar à espera, necessitam de respostas efectivas da parte de quem tem a responsabilidade de lhes proporcionar a assistência na saúde.
Para que não fiquem quaisquer dúvidas de que isso não sucede, apresentamos de seguida uma listagem, que se refere apenas a alguns casos mais graves que se sucederam logo a partir da implementação do novo serviço. Esperamos que pelo menos estes ajudem a sensibilizar a Senhora Ministra e sirvam para que mande averiguar ou investigar as razões que estão a por em causa a devida assistência aos utentes do Hospital D. Luiz I, devendo então ser rapidamente tomadas medidas que alterem tão dramática situação.
Volvidos cerca de quatro meses após o encerramento do Serviço de Urgência do Hospital D. Luiz I, a Consulta Aberta associada à Ambulância SIV, continua a não dar resposta eficaz, tendo-se verificado no espaço de uma semana três casos polémicos, que resultaram no falecimento das vítimas, que nos levam, uma vez mais, a questionar as medidas implementadas pelo Ministério da Saúde, que se revelam trágica e terrivelmente ineficazes.
No dia 31 de Dezembro de 2007, três dias após o encerramento do Serviço de Urgência do Hospital D. Luiz I, pelas 1h30 da manhã deslocou-se a este serviço, Francisco Aníbal Fernandes Madeira, natural do Peso da Régua, transportado pelo seu filho, com suspeita de ataque cardíaco.
Após alguns minutos de insistência, para alertar os técnicos do INEM de serviço à ambulância SIV ali estacionada, foi finalmente aberta a porta pelo segurança de serviço do hospital, tendo este comunicado que deveria contactar o 112, para este autorizar a utilização dos meios desta ambulância.
Após este contacto, o paciente aguardou à entrada do hospital cerca de 15 minutos pela autorização proveniente do Centro de Orientação de doentes Urgentes (CODU).Decorrido este lapso de tempo, o paciente foi encaminhado para a referida ambulância e transportado em direcção ao nó da A24, a cerca de 1 Km de distância do Hospital D. Luíz I, onde aguardou a chegada da VMER, que durante uma hora e meia procedeu a estabilização do doente naquele local.
Após os procedimentos de estabilização, foi finalmente encaminhado para o Serviço de Urgência do Hospital de Vila Real, não sem antes o condutor se ter enganado no percurso, seguindo a direcção de Bragança em vez de se deslocar para o Hospital.
A 18 de Janeiro, a viatura VMER deambulou pelas ruas da cidade do Peso da Régua em busca de uma ambulância com um doente em situação de urgência, que entretanto tinha pelo CODU sido enviada para o cruzamento da A24 em Nogueira (a cerca de 20Km do Peso da Régua). Isto, note-se, depois de a viatura ter passado por lá, vinda de Vila Real. Deste pequeno equívoco, resultou nada mais, nada menos, o facto de o doente ter sido visto por um médico 01h.30 minutos depois da primeira chamada.
No dia 24 de Janeiro, Manuel Pinto, de 77 anos, residente no Bairro Calouste Gulbenkian, em Godim, apresentou sinais de mau estar generalizado, tendo sido solicitada assistência médica através do 112. O caso não foi considerado urgente. Contudo, foi autorizado o transporte do doente pelos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua para o Hospital de Vila Real.
Manuel Pinto teve alta médica cerca das 2H00 da madrugada de Sexta-feira, dia 25 de Janeiro, dado tratar-se, de acordo com indicações médicas dadas à família, de gripe. Por volta das 14H00 do mesmo dia, o seu estado de saúde agravou-se, tendo sido transportado novamente para o Hospital de Vila Real, onde veio a falecer cerca das 16H30.
A causa de morte apontada pelos serviços médicos foi PNEUMONIA DUPLA.
Esta situação reflecte a inoperância do Centro de Orientação de Doentes Urgentes, que fez uma avaliação leviana do estado de saúde do paciente, não lhe assegurando assistência médica. A somar à falta de comunicação entre os utentes do Serviço Nacional de Saúde e o Serviço de Emergência Médica há a negligência com que Manuel Pinto foi tratado no Hospital.
No dia 9 de Abril, um homem de 88 anos, faleceu na freguesia de Canelas, depois da SIV se ter perdido e ficado atolada num caminho sem saída. Diante da inoperância da SIV, os Bombeiros Voluntários do Peso da Régua foram accionados pelo CODU cerca das 03h30 para prestarem assistência à vítima, tendo procedido à sua reanimação. Aquando da chegada da VMER foi confirmado o óbito.
No dia 14 de Abril, Manuel Ferreira, 49 anos, residente na freguesia de Loureiro, faleceu enquanto esperava pela VMER à entrada do túnel da A24, em Peso da Régua.
Os Bombeiros Voluntários do Peso da Régua foram accionados pelo CODU às 05H15 para socorrer a vítima, a qual se encontrava em paragem cárdio-respiratória. Após tentativas infrutíferas de reanimação, foi informado o CODU para accionar a VMER. A vítima chegou ao ponto de encontro previsto com a VMER – túnel da A24 – às 5H38. Quinze minutos depois, a VMER estava no local. Volvido algum tempo, foi confirmado o óbito.
Tendo comparecido no local a G.N.R. e o Delegado de Saúde, a ambulância com o corpo da vítima, deslocou-se para o posto da G.N.R., onde permaneceu entre as 07H30 e as 10H45, altura em que foi autorizado pelo Ministério Público o transporte do cadáver para o Instituto de Medicina Legal de Vila Real.
No dia 17 de Abril, foi solicitada, pelo marido da vítima, Maria da Conceição Teixeira Dias Gonçalves, a intervenção dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua, que chegando junto da mesma às 12H49 verificou que se encontrava em paragem cárdio-respiratória. O CODU foi informado do estado da vítima às 12H50, tendo dado indicação para fosse transportada para o Hospital de Vila Real, uma vez que a VMER estava indisponível. A caminho do Hospital, foi estabelecido novo contacto com o CODU, informando de que o estado da vítima se mantinha, solicitando novamente o envio da VMER. A resposta ao pedido foi a mesma: VMER indisponível.
A vítima chegou ao Hospital de Vila Real às 13H33,quando, infelizmente, já nada foi possível fazer por ela, tendo sido declarado o óbito.
O Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro informou o Comandante dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua que a VMER estaria em serviço apenas a partir das 14H00. Pelo que conseguimos apurar, o médico que estava escalado para o serviço ficou doente e não foi possível substitui-lo, pelo que a VMER esteve indisponível.
Diante isto, consideramos que a solução para os utentes do Hospital D. Luíz I é a instalação de um Serviço de Urgência Básica, como forma adequada de servir as nossas populações com a prestação dos cuidados de saúde que marcam a diferença entre o viver e o morrer. Infelizmente, não nos restam dúvidas de que continuarão a falecer pessoas em resultado da inoperância do funcionamento actual da rede de urgências.
Nada justifica que entre as 00.00 e as 08.00 horas, nem sequer um médico tenha sido previsto para este tipo de situações, ainda que à porta do Hospital se encontre estacionada uma viatura de socorro. É igualmente injustificável que sempre que é solicitado o apoio da VMER, a assistência seja feita numa ambulância na berma de uma estrada, quando podia e devia ser num hospital. Esta é uma postura indigna por parte dos serviços de saúde.
O Município tem mantido uma vigilância permanente, tendo desde o primeiro dia monitorizado e denunciado o funcionamento do serviço instalado, sobre o qual nunca teve dúvidas de que resultaria numa má prestação dos cuidados de saúde, nomeadamente nos casos urgentes e emergentes, e que o desfecho com consequências de gravidade extrema onde se põe em causa a própria vida, seria apenas uma questão de tempo.
Senhora Ministra, a realidade obriga-nos a tomar medidas que reponham dignidade na assistência que é prestada na saúde aos utentes do Hospital D. Luiz I, emendando uma solução mal equacionada pelo antecessor de V. Ex.ª, pese embora o esforço que sempre fizemos para o convencer que estava enganado e mal assessorado. Estamos mais uma vez disponíveis para encontrar em conjunto com V. Ex.ª a chave para a solução deste grave problema, pensando que seremos capazes de o conseguir. Contamos sinceramente com o bom senso e a sensibilidade de V. Ex.ª para o bem dos utentes do Hospital D. Luiz I. Pela nossa parte não deixaremos de Lutar.